Adib Jacob, presidente da divisão farmacêutica da Bayer: “Não há mais espaço para desenvolver produtos que apresentem apenas benefícios marginais”
Adib Jacob, presidente da divisão farmacêutica da Bayer: “Não há mais espaço para desenvolver produtos que apresentem apenas benefícios marginais”
No mais recente episódio de Futuro Talks, Adib Jacob fala do atual momento da indústria farmacêutica e das transformações dos negócios
As empresas farmacêuticas que atuam com pesquisa intensiva para desenvolvimento de moléculas revolucionárias estão, de modo geral, seguindo a mesma tendência de focar seus negócios em áreas que ainda carecem de mais soluções, como oncologia, doenças do sistema nervoso central – Alzheimer e Parkinson – e condições raras. Esse movimento generalizado não ocorre à toa e foi um dos principais temas da conversa com Adib Jacob, presidente da divisão farmacêutica da Bayer para o Brasil e América Latina, no mais recente episódio de Futuro Talks.
Na visão dele, isso ocorre por algumas razões. Primeiro porque é natural que a demanda por pesquisa em áreas menos assistidas seja maior – é onde pacientes e profissionais de saúde buscam mais respostas. Segundo porque não há mais espaço para desenvolvimentos que apresentem apenas benefícios marginais, mas sim para produtos que entreguem ganhos substanciais. Afinal, segundo ele, o processo para se desenvolver uma nova molécula, da pesquisa à introdução no mercado, custa mais de US 1 bilhão.
Na Bayer isso não é diferente. De acordo com Jacob, a empresa está focada nessas áreas-chave, mas sem esquecer de áreas onde já possui uma história de longa data, como a ginecologia. Ele revelou, inclusive, que tem a expectativa de que em 24 meses uma novidade para resolver os sintomas da menopausa deve chegar ao mercado – uma solução que tem se mostrado promissora nas primeiras fases de teste e que tem como diferencial não ser uma solução hormonal.
Ao longo da conversa, o executivo falou ainda dos pontos fortes do Brasil, do aquecimento das terapias gênicas e celulares – que ele chamou de revolução atual da indústria –, de como tecnologia e gestão de dados podem contribuir nesse cenário, do papel da inovação e das startups no ecossistema e de como o acesso ainda é um desafio – mas que tem avançado, segundo ele, com processos mais transparentes e maior participação das empresas do setor.
Confira a entrevista a seguir:
A indústria farmacêutica tem dado ênfase em terapias direcionadas para condições específicas. Como vocês estão lidando com essa transformação?
Adib Jacob – Se uma área terapêutica ou uma doença já possui muitos medicamentos e práticas clínicas, as empresam vão se concentrar em identificar outras áreas onde persiste uma grande necessidade médica. Apesar dos avanços científicos das últimas décadas, há áreas com essa necessidade médica em aberto. Doenças do sistema nervoso central, oncologia, câncer e algumas doenças raras são exemplos. A Bayer e a indústria, de forma geral, têm direcionado seus esforços para essas áreas terapêuticas, nesses tipos de doenças com uma grande carência de soluções médicas. Em decorrência desse enfoque, quando a empresa ou a indústria introduz um novo medicamento ou solução para esses problemas, é mais provável que haja aceitação por parte da comunidade médica e dos pagadores, porque atende a uma necessidade real e não apenas traz um avanço marginal. Na minha visão, não vejo mais espaço no mercado para avanços mínimos, pois os pagadores não estão dispostos a pagar um preço elevado por tais avanços. Logo, essa mudança de foco para áreas carentes de soluções médicas essenciais visa a agregar valor para o paciente, que é a razão primordial que nos motiva todos os dias, para o médico, que decidirá sobre patologias que podem ser transformadoras, e também para o pagador, que verá um benefício substancial e não apenas marginal ao custear esses tratamentos.
Qual o contexto quando se fala em ganhos marginais?
Adib Jacob – O cerne está em suprir uma população que está vivendo mais, envelhecendo e migrando para centros urbanos, resultando em uma demanda maior por cuidados médicos, mas com um orçamento que não cresce na mesma proporção. Isso implica em tomar decisões difíceis. As escolhas devem ser direcionadas para terapias que os pagadores estejam dispostos a custear, e que os médicos considerem como mudança em sua prática médica, focando em terapias que tragam ganhos substanciais e não marginais. De maneira geral, vejo um espaço cada vez mais limitado para avanços mínimos. Atualmente, uma terapia ou solução médica deve agregar um valor significativo no tratamento do paciente, seja melhorando consideravelmente a qualidade de vida, reduzindo comorbidades com o uso de medicamentos, ou buscando o nosso objetivo máximo: aumentar a expectativa de vida, mas com qualidade.
Considerando essa sua experiência no exterior, qual sua análise do Brasil em relação a esses outros países?
Adib Jacob – Um dos pontos fortes do Brasil é a prática médica, de altíssima qualidade, com centros médicos que se destacam não apenas pela infraestrutura e equipamentos, mas principalmente pela excelência na prática médica. Em vários estudos clínicos, o Brasil se destaca como o país que mais recruta pacientes, resultado da qualidade da prática médica e, frequentemente, pela contribuição de cientistas brasileiros em avanços terapêuticos significativos. Considero o brasileiro e o latino, de modo geral, altamente inovadores e abertos ao risco, especialmente no que diz respeito a práticas inovadoras onde as respostas ainda não estão totalmente delineadas. Em minha experiência profissional, procuro incentivar essa mentalidade nas empresas em que atuo, onde o risco é encarado como algo válido mesmo quando as respostas não estão claras. Observo uma população e cultura muito receptivas a esse tipo de abordagem. No âmbito do mercado farmacêutico, percebo um crescimento com uma dinâmica mais acelerada do que em outras partes do mundo. Enquanto os mercados brasileiro e latino crescem a taxas de dois dígitos, em mercados mais saturados, esse tipo de expansão é incomum. No entanto, os desafios com os quais nos deparamos envolvem um nível maior de imprevisibilidade, algo que não é tão comum em mercados mais desenvolvidos. Essa imprevisibilidade abrange questões de acesso e, por vezes, questões cambiais, que são importantes para as empresas globais. Há também uma complexidade tributária um pouco maior. Apesar desses dilemas, para ser franco, a dinâmica do mercado e a excelência na prática médica colocam o Brasil e muitos países da América Latina em um patamar comparável aos países desenvolvidos.
Mas o Brasil tem evoluído em alguns desses desafios?
Adib Jacob – Tenho plena convicção disso. Durante uma década na Europa, ao retornar ao Brasil, testemunhei progressos significativos. Por exemplo, o desenvolvimento da Anvisa, que acompanhei por anos, revelou-se altamente profissional, apresentando até mesmo mecanismos de fast-track para patologias denominadas como doenças raras, com prazos de aprovação, em linhas gerais, compatíveis com agências regulatórias de outros países. É evidente que houve uma evolução notável. O ambiente de propriedade intelectual também é bastante favorável para empresas multinacionais, constituindo-se em um ambiente institucionalmente aceitável. Observo, com satisfação, o avanço do próprio Sistema Único de Saúde (SUS), motivo de grande orgulho para mim como brasileiro. Embora os orçamentos sejam desafiados quando os produtos perdem patente e são substituídos por genéricos – o que, no entanto, considero uma dinâmica positiva –, acredito que essa prática libera recursos para a inovação. Incorporar toda a inovação que a indústria oferece nos orçamentos é, sem dúvida, um grande desafio. É nesse ponto que reitero a importância de buscar ganhos que não sejam apenas marginais. O SUS, por sua vez, tem buscado a evolução e profissionalização em termos de governança. Um exemplo é a Conitec, criada há aproximadamente 10. Houve, de fato, um avanço significativo.
Considerando a questão do acesso em um país de dimensões continentais, mas com um orçamento restrito, como você mencionou, como equilibrar a discussão sobre o que será disponibilizado e o que não será acessível?
Adib Jacob – Este é um tema crucial, pois de nada adianta a indústria trazer uma inovação maravilhosa se, como mencionei anteriormente, ela não estiver disponível para a população. A questão do acesso é de extrema importância e incrivelmente complexa. No entanto, acredito em alguns pilares essenciais. Primeiramente, a indústria desempenha um papel crítico, em minha opinião. Ela deve trazer avanços que não sejam incrementais ou marginais, mas substanciais para tratar determinada patologia. Não há mais espaço ou recursos no sistema de saúde para honrar avanços mínimos. Em segundo lugar, acredito que as empresas têm a responsabilidade de estabelecer preços compatíveis com a realidade econômica do país. Precificar um medicamento no Brasil não pode seguir os mesmos modelos de outras economias. Sempre enfatizei isso nas empresas em que trabalhei: ao trazer um medicamento com ganhos substanciais, é fundamental compreender a realidade do país e precificar de maneira que seja aceitável para o pagador. Quanto à responsabilidade da sociedade e dos pagadores, é fundamental ter um processo profissional e transparente para incorporar ou não um medicamento. A ANS, por exemplo, estabeleceu um processo de avaliação de custo-efetividade, que pode ser debatido em relação à eficácia, mas existe. Este processo deve ser transparente, avaliando todos os medicamentos de maneira uniforme e tomando decisões claras, ouvindo todos os atores do sistema: a indústria, o pagador, a classe médica e os pacientes que sofrem com a patologia. É importante entender os dilemas da terapia atual e as lacunas existentes. Acredito que todos os atores precisam ser considerados na discussão e na tomada de decisão. É viável incorporar todos os medicamentos? Provavelmente não, devido aos desafios financeiros, mas o processo deve ser transparente.
Houve evolução? Sim, por exemplo, como mencionei, a Conitec representou um avanço considerável. A ANS atualmente tem regras claras. No entanto, na minha opinião, ainda há espaço para que todos os atores sejam ouvidos.
E você sente que, dentro de todos esses atores que você colocou, a indústria tem tido mais espaço para participar dessas discussões?
Adib Jacob – Sem dúvida. Focando nos três principais pagadores de medicamentos no Brasil, há o paciente que adquire seu medicamento diretamente em farmácias, conhecido no jargão como ‘out of pocket’, ou seja, o próprio paciente arca com os custos. Além disso, há o pagador privado, normalmente representado por uma operadora de saúde, e o governo, representado pelo SUS. Atualmente, a indústria farmacêutica possui voz nos processos de incorporação de medicamentos. Não apenas submete o dossiê para consulta pública, mas também tem participação ativa na discussão em determinados fóruns, tanto na ANS quanto na Conitec, quando submete um medicamento. Isso mostra que há mais espaço e diálogo no processo atual.
Temos visto alguns movimentos aqui no Brasil de modelos de contratos diferentes, como compartilhamento de risco. Como você vê essa movimentação?
Adib Jacob – É um ponto muito positivo e percebo que ainda há espaço para o Brasil progredir nesse aspecto, embora já existam alguns sinais disso. Existem modelos mais sofisticados para o financiamento de medicamentos que vão além do tradicional desconto. Alguns desses modelos são mais complexos e, em minha opinião, representam avanços nessa área. Eles ajudam os pagadores a garantir que estão pagando por tratamentos eficazes e também oferecem previsibilidade nos gastos. Tento sempre me colocar no lugar de qualquer stakeholder com quem estou interagindo, levando em consideração esses dois elementos fundamentais: pagar pelo que realmente funciona e garantir previsibilidade orçamentária, considerando que os recursos são limitados. Há países, como Austrália, Canadá e alguns países nórdicos na Europa, que já operam com esses modelos mais avançados. Por exemplo, há modelos que estabelecem um teto orçamentário a partir do qual as negociações são realizadas. Existem ainda estratégias de compartilhamento de risco, onde o pagador assume o custo somente se o paciente responde à terapia. Outra possibilidade é o financiamento, especialmente relevante para terapias genéticas, onde se busca a cura do paciente, frequentemente por meio de uma terapia única. Nesses casos, o custo é substancialmente diferente das terapias crônicas, podendo alcançar valores significativos, até mesmo na casa dos milhões. Uma abordagem possível é o parcelamento do pagamento. Essas modalidades visam garantir que o pagador arque somente com tratamentos eficazes e ofereçam previsibilidade, ao menos dentro de um período determinado, geralmente 12 meses. Estou começando a observar avanços nesse sentido. Recentemente, houve um caso – e quero aplaudir essa iniciativa – onde o SUS está explorando o compartilhamento de risco. Normalmente, ao submeter uma proposta para um pagador, manifesto minha abertura para discutir modalidades inovadoras. Recentemente, tenho percebido uma maior abertura para tais abordagens, inclusive por parte da Conitec e do SUS. Com a introdução de novas modalidades terapêuticas, considero isso como algo necessário e vejo uma maior abertura para explorar esses modelos. Para mim, esse é o caminho a seguir.
Estamos indo para uma nova era em termos de indústria farmacêutica, de novos tratamentos e de possibilidades de cura para doenças que antes não se imaginavam. Como você vê esse avanço e qual vai ser o papel que esse tipo de terapia vai ter na saúde?
Adib Jacob – Refletindo com colegas sobre momentos importantes na história da indústria farmacêutica, como o surgimento dos biológicos na década de 90, seguidos pelas terapias-alvo e a imuno-oncologia, fica claro como esses avanços revolucionaram o tratamento do câncer. Hoje, a vanguarda da ciência foca muito na terapia gênica e celular. Não há dúvida de que a prevenção é a melhor maneira de lidar com uma doença. Isso envolve educação, hábitos alimentares e de vida saudáveis, um campo onde ainda há muito a ser feito. Em seguida, vem a cura da patologia. E a busca por uma solução que cure o mais rápido possível, minimizando efeitos adversos para preservar a qualidade de vida do paciente. A terapia gênica e celular tem exatamente esse propósito. Ela visa a ensinar o organismo a combater e curar a doença. É fascinante e maravilhoso perceber que isso não é ficção científica. Já existem diversas terapias disponíveis no mercado e muitas outras em desenvolvimento. Tenho o privilégio de trabalhar em uma empresa que leva isso muito a sério. Posso dizer que a Bayer está entre as empresas mais bem posicionadas nesse cenário, especialmente após a aquisição de duas empresas que se dedicam especificamente à terapia celular e gênica. Recentemente, divulgamos os resultados de um estudo de fase 1 em Parkinson, o que mostra a seriedade e comprometimento da empresa nesse campo.
E como estão os resultados?
Adib Jacob – Extremamente promissores. Nós já estamos nos encaminhando para um estudo de fase 2. Isso é fascinante. Para mim, é a grande tendência da indústria. Vai coexistir com medicamentos sintéticos, biológicos? Eu acredito também que sim. Depende da patologia. A terapia gênica pode trazer o objetivo final de todos nós, que é a cura. Ela pode ser usada, normalmente é uma aplicação única, e uma continuidade de uma determinada terapia sintética, biológica, coexistindo. Mas eu vejo, em muitas áreas terapêuticas, como câncer, doenças autoimunes e doenças do sistema nervoso central, onde há, sendo muito simplista, um desajuste do organismo gerando uma patologia, um desarranjo no funcionamento normal do organismo, e que a terapia gênica chega como uma grande solução, não a única, em muitas dessas áreas terapêuticas. Isso já é uma realidade.
Pensando em pipeline, onde está o foco da Bayer hoje?
Adib Jacob – Há uma outra tendência notável na forma como a indústria farmacêutica avalia suas práticas. Ela enfrenta seus próprios dilemas à medida que as necessidades médicas aumentam. Desenvolver uma nova solução, um fármaco ou uma terapia gênica, torna-se mais desafiador. Nossos cientistas e laboratórios têm um trabalho mais profundo, pois as exigências médicas estão em ascensão. E isso resulta em um custo considerável para trazer uma solução ao mercado, frequentemente ultrapassando a marca de um bilhão de dólares. Então, o que aconteceu? As empresas estão focando. Atualmente, é raro encontrar uma grande empresa farmacêutica que cubra todos os campos, desde pediatria até ginecologia, passando pelo sistema nervoso e respiratório. Isso não é mais o caso. Agora, é crucial focar onde há um conhecimento técnico especializado, onde já existe um legado de conhecimento científico e infraestrutura. A Bayer tem feito isso de forma proeminente. Atualmente, ela escolheu áreas terapêuticas onde possui um conhecimento profundo e onde a necessidade médica ainda é significativa.
Quais são essas áreas?
Adib Jacob – A oncologia é uma delas. A luta contra o câncer continua sendo uma prioridade, tanto para a indústria quanto para a sociedade. A oftalmologia é outra área. A Bayer possui um histórico substancial no tratamento de doenças da retina e continua a avançar com soluções inovadoras para médicos e pacientes. No campo do sistema nervoso central, estamos focados em terapias gênicas e celulares. Por exemplo, mencionei o Parkinson, mas temos projetos em outras áreas também. As doenças do sistema nervoso central, como Parkinson, Alzheimer, depressão e condições relacionadas, representam um dos grandes desafios do mundo moderno. Área cardiológica e metabólica também são focos importantes para a Bayer. Recentemente, lançamos um medicamento notável para proteger os rins de pacientes diabéticos. O comprometimento renal é uma das grandes complicações do diabetes, frequentemente levando à diálise, transplantes e fatalidades. Outra área de grande relevância é a ginecologia. A Bayer foi uma das empresas pioneiras no desenvolvimento da pílula anticoncepcional nos anos 60 e, desde então, tem trabalhado incansavelmente em métodos contraceptivos.
Por exemplo, estamos prestes a lançar, nos próximos 24 meses, um medicamento inovador para tratar os sintomas da menopausa, oferecendo uma terapia não hormonal para as mulheres enfrentando essa fase.
Dada a pirâmide demográfica e o número de mulheres que lidam com sintomas da menopausa, isso é de extrema importância. Assim, seguimos com força total na área da ginecologia.
Você pode trazer mais detalhes sobre essa solução para a menopausa? Ainda está em desenvolvimento?
Adib Jacob – Este é um dos produtos que mais me entusiasmam e estimulam, embora haja vários no pipeline da Bayer. Trata-se de um produto desenvolvido para tratar os sintomas da menopausa, particularmente as ondas de calor, problemas de sono e irritabilidade. Este produto já está na fase final de desenvolvimento. Em termos gerais, a jornada de desenvolvimento de um medicamento passa por várias etapas. Começamos com estudos pré-clínicos, que incluem avaliações in vitro e testes em animais. Se tudo estiver progredindo conforme o esperado, avançamos para os estudos clínicos, ou seja, em seres humanos. O primeiro estudo envolve uma população pequena. Em seguida, há um segundo estudo, com uma amostra um pouco maior, para garantir um bom ajuste de dose. Por fim, o estudo de fase 3, um estudo extenso necessário para o registro junto às autoridades regulatórias. Esse estudo de fase 3 já foi totalmente recrutado e os resultados, tudo indica, serão obtidos no início do próximo ano. O Brasil é uma prioridade para a Bayer em relação a todos os medicamentos. Portanto, esperamos que, como mencionei, nos próximos 24 meses este produto esteja disponível no mercado. O que é particularmente interessante? Além dos resultados até o momento indicarem uma melhoria significativa dos sintomas associados à menopausa, essa terapia é não hormonal. Atualmente, muitas mulheres consideram, em diálogo com suas famílias e médicos, a opção de não realizar uma terapia de reposição hormonal devido a alguns riscos associados. Portanto, temos grandes expectativas de que ele beneficiará muitas mulheres, permitindo uma convivência mais confortável durante o período da menopausa, melhorando significativamente sua qualidade de vida.
Em fevereiro, a Bayer se tornou a mantenedora do Cubo Itaú, que é um hub de inovação para startups. Qual é a importância de estar mais próximo às startups e fomentar esse tipo de trabalho?
Adib Jacob – É de extrema importância. Na Bayer, possuímos pilares fundamentais em nossa cultura e estratégia, especialmente no Brasil, e um dos principais é a inovação. A inovação em produtos é vital, e envolve não apenas nossos cientistas, mas também parcerias que estabelecemos com instituições acadêmicas. Contudo, a inovação não se restringe ao desenvolvimento de produtos, mas sim à forma como abordamos as soluções na área da saúde. Entregar apenas um medicamento não é mais suficiente. Devemos oferecer uma solução mais completa. Por exemplo, de nada adianta termos um medicamento maravilhoso se os médicos enfrentam dificuldades em diagnosticar corretamente os pacientes para sua utilização. Além disso, muitas vezes, os pacientes interrompem o uso dos medicamentos por diferentes razões. Por isso, como indústria, precisamos estar presentes em todo o ecossistema de saúde, desde o diagnóstico até o acompanhamento do paciente durante o tratamento. É aí que a inovação se torna essencial. Nessa parceria com o Cubo e diversas outras instituições, incluindo o Einstein, estamos colaborando com várias startups. Essas parcerias são cruciais para oferecer soluções muito mais poderosas do que simples caixas de remédio, na minha perspectiva. Durante essas colaborações, realizamos várias discussões sobre os desafios de negócio que enfrentamos.
Seria uma ilusão acreditar que a solução para todos os nossos dilemas está apenas dentro das paredes da Bayer. Embora tenhamos uma equipe fantástica, a inovação atual é um processo democrático.
Algum exemplo prático?
Adib Jacob – Tem um exemplo que me orgulha: uma parceria com a Felco. Na área de oftalmologia, temos um produto excelente que previne a perda de visão ou a melhora da visão em determinadas doenças da retina. Contudo, é crucial fazer o diagnóstico adequado. Como fazemos isso? Por meio de uma parceria com uma empresa que desenvolveu uma solução no celular. Eles criaram uma ferramenta que permite ao médico diagnosticar problemas oculares em questão de segundos, utilizando apenas a câmera do celular. Esta ferramenta é acessível e viável, ao contrário dos equipamentos tradicionais utilizados por retinólogos, que são mais caros e sofisticados. Essa solução vai além do produto da Bayer. Ela está ajudando médicos em diversos centros de saúde, tanto públicos quanto privados, a diagnosticar corretamente os problemas oculares. Fomos capazes de oferecer isso graças a uma parceria que nos proporcionou um novo entendimento dos problemas que antes não compreendíamos totalmente. Participar de pitchs com o Cubo foi maravilhoso e extremamente produtivo. Acredito firmemente em testar algumas dessas ideias por meio de pilotos. Em muitas ocasiões, a solução de uma startup não é óbvia, mas faz sentido. Antes de implementá-la completamente, realizamos pilotos para avaliar sua viabilidade. Essa colaboração com o Cubo tem sido incrivelmente benéfica.
Nesse contexto de entregar uma solução completa, quais são os principais desafios?
Adib Jacob – Há vários pilares fundamentais para o ganha-ganha no sistema de saúde. O ganha-ganha é quando a solução é boa para o paciente, o sistema de saúde tem capacidade de absorver, o médico pode tratar seu paciente da melhor forma e a indústria se mantém sustentável. Este equilíbrio é crucial para o funcionamento eficiente do sistema de saúde. Um diagnóstico preciso é uma peça central nesse cenário. O paciente diagnosticado corretamente no momento certo contribui para que o sistema possa arcar com o tratamento. Sustentabilidade é uma palavra-chave nisso tudo. Por exemplo, a solução que mencionei, além de ser acessível, é custo-efetiva. Portanto, um bom diagnóstico é essencial. A responsabilidade da indústria farmacêutica é de trazer inovações que não sejam apenas marginais. Trata-se de implementar mudanças significativas na forma como as doenças são tratadas. Por exemplo, a evolução da pílula anticoncepcional para o DIU hormonal de longa duração. Esta mudança é um exemplo de transformação profunda que vai além de simples variações na medicação. Outro aspecto vital é a viabilidade do sistema. É necessário um incentivo financeiro para manter a estabilidade do sistema. Além disso, a educação continuada dos médicos é crucial. Em um mundo onde a ciência e a medicina evoluem constantemente, os profissionais precisam de atualização constante ao longo de suas carreiras. A indústria desempenha um papel significativo na educação médica, mas a continuidade do aprendizado é essencial. Além disso, ajudar os pacientes a entender como conviver da melhor forma com sua terapia é crucial para a sustentabilidade do tratamento. Por exemplo, em muitas condições crônicas, como hipertensão, diabetes e muitos tipos de tumores, a adesão ao tratamento é essencial. Muitos pacientes interrompem o tratamento por acreditarem não ser mais necessário, o que destaca a importância da educação contínua do paciente no gerenciamento de sua condição. Esses pilares são fundamentais para a construção de um sistema de saúde eficaz e equilibrado.
Nesse pilar da relação com o médico há muita coisa acontecendo. Os médicos nem sempre conseguem ter a atualização para oferecer as melhores soluções para os pacientes. Qual é o papel da indústria farmacêutica nesse sentido?
Adib Jacob – Acredito que a pandemia acelerou alguns comportamentos dentro dessa questão. No auge da pandemia, era impossível para nossos profissionais se comunicarem com os médicos. Diante disso, reunimos uma equipe que agiu com extrema assertividade e seriedade. Naquele momento, ninguém sabia quanto tempo isso duraria, ou como sairíamos desse cenário como sociedade. Então, começamos a implementar soluções no âmbito da relação com os profissionais médicos. Hoje, me orgulho em dizer que, em alguns aspectos, nos destacamos. Compreendemos que a interação pessoal retornaria, embora ninguém soubesse ao certo quando e de que forma isso ocorreria. Concluímos que os médicos estariam abertos para receber o mesmo número de profissionais pós-pandemia. Trabalhamos em alguns pilares. O primeiro foi a criação de uma plataforma de educação médica, onde os médicos pudessem, 24 horas por dia, 7 dias por semana, acessar informações. Criamos o Universo Médico, que se tornou referência em algumas áreas terapêuticas. Inicialmente, o protótipo era chamado de Bayer Flix, pois era similar a escolher e assistir um filme no momento e da forma desejada. Estabelecemos essa plataforma no Brasil, em meados de 2021 e 2022, e posteriormente expandimos para toda a América Latina. Atualmente, cerca de 20 mil médicos a utilizam, e o número continua crescendo. Esta plataforma permite aos médicos acessar informações de qualidade e neutras a qualquer momento.
E essa plataforma não fala somente sobre a Bayer?
Adib Jacob – Não se limita a falar somente sobre a Bayer ou seus produtos. Oferecemos informações nas áreas terapêuticas em que possuímos profundo conhecimento. Esta foi uma nova maneira de nos relacionar com os médicos, oferecendo a eles acesso à informação de qualidade. Além disso, compreendemos que a interação pessoal voltaria, o que de fato está ocorrendo. No entanto, aprendemos que existe uma grande oportunidade para relacionamentos virtuais. Realizamos uma pesquisa para identificar as preferências de cada médico: enquanto um pode preferir se comunicar por WhatsApp, outro pode preferir e-mail, e um terceiro pode optar por uma videochamada. Percebemos que não devemos assumir que a Bayer compreende o que cada profissional prefere. Realizamos esse mapeamento para oferecer uma variedade de opções de comunicação, além das visitas presenciais. A Bayer não tem a capacidade de se conectar fisicamente com os mais de 500 mil médicos no Brasil, claro, mas estamos chegando virtualmente a esses profissionais por meio das plataformas mencionadas. Portanto, o maior tema impulsionado pela pandemia foi a capacidade de nos relacionarmos com os profissionais médicos de uma maneira mais abrangente. A interação física, sim, mas em paralelo, de modo virtual. Essa mudança não veio para substituir o trabalho dos médicos. Pelo contrário, acredito que tornará esses profissionais mais completos, porque sua conexão com os clientes será mais ampla. Não é apenas uma questão física, mas uma forma de se relacionar quando o médico tem um tempo mais restrito. Nossos colegas podem complementar o diálogo que foi mais breve no consultório, devido a um dia corrido, com outras formas de comunicação. Isso torna nossa relação mais impactante, na minha opinião.
Outra tendência da indústria está na parte de dados. Qual sua análise sobre o quanto disso já está sendo efetivamente utilizado e como você vê isso daqui para frente?
Adib Jacob – Eu considero isso extremamente importante. Por exemplo, eu estava comentando sobre como um medicamento chega ao mercado. Ele normalmente passa por um estudo de fase 3, geralmente um estudo amplo, além de estudos menores que mencionei, para que as autoridades regulatórias avaliem e aprovem o produto. Mas este estudo é único. Portanto, para complementar, a indústria desempenha um papel em talvez preencher lacunas com evidências científicas, estudos complementares e em outras patologias, mas esses são demorados e muito caros, pois se você pretende submeter-se a uma agência reguladora, os estudos têm regras muito claras. Então, as evidências do mundo real são muito importantes para primeiro validar aquela indicação em uma população específica. Isso pode ajudar a avaliar insights científicos de que o medicamento pode funcionar em outro tipo de patologia ou que possa ser testada uma dose diferente, resultando em um impacto distinto ou uma frequência de tratamento diferente. Realizar tudo isso pelo método tradicional, através de um estudo acadêmico de fase 3, multicêntrico, duplo-cego, é inviável. Cooperamos muito. Hoje, temos dezenas de estudos, pequenos e médios, no Brasil e na América Latina, em parceria com centros acadêmicos brasileiros. Ou então, realizamos o que chamamos de fase 4. Mencionei o estudo da fase 3. Há outra modalidade, a fase 4, um estudo pós-registro que pode ser feito em um único país ou centro. Também realizamos muito disso. Existem estudos que chamamos de observacionais, onde se avalia a população usando aquele medicamento. São muito úteis e fornecem respostas importantes sobre certos sinais clínicos. Portanto, essa variedade de estudos e projetos, além dos estudos mais robustos, é extremamente importante. As autoridades regulatórias já estão começando a considerar a inclusão de estudos de evidências do mundo real nos dossiês de avaliação de medicamentos, dada a relevância que isso está ganhando. Por questões de custo e velocidade, às vezes você não se pode esperar 5 anos por uma resposta científica. Realiza-se estudos menores para testar rapidamente a hipótese, e posteriormente amplia-se, ou em alguns casos, a ampliação não é necessária, pois a hipótese foi suficientemente testada.
Portanto, essa complementação dos estudos tradicionais com os estudos de evidências do mundo real é muito, muito importante.
Quais suas perspectivas sobre eventuais mudanças aqui no Brasil, como a reforma tributária?
Adib Jacob – Algumas indústrias são muito estratégicas e acredito que ninguém discordaria que a saúde é uma delas. E a indústria farmacêutica faz parte desse contexto. Sendo tão estratégica para a humanidade, acredito que, por exemplo, se os medicamentos fossem menos tributados, o produto farmacêutico brasileiro poderia ser mais barato. Isso é algo que afirmo de maneira muito clara. Alguns outros tipos de bens e produtos na sociedade são menos tributados do que os medicamentos. Poderíamos ter uma discussão filosófica a respeito. Se agregam mais à humanidade do que um medicamento que salva vidas. Estou muito entusiasmado, de maneira geral, como brasileiro e gestor de uma empresa, com a reforma tributária, que está considerando, por exemplo, um bem tão nobre para a sociedade como é um medicamento, o qual agrega valor e salva vidas, ou melhora a qualidade de vida. Considero isso absolutamente importante.
E qual a visão da Bayer para 2024?
Adib Jacob – Como mencionei antes, o mercado farmacêutico e de saúde, dada a sua relevância estratégica para a sociedade e para a humanidade, é bastante resiliente. Ele é um pouco menos elástico em relação a booms econômicos ou crises econômicas. Há o lado bom e o ruim. Prefiro focar no lado bom, que é a resiliência do mercado, que continua crescendo, pois as pessoas desejam viver bem. Elas buscam qualidade de vida e querem viver mais. E embora o medicamento não seja o único elemento nessa equação, ao longo das décadas tem apoiado a longevidade das pessoas. Portanto, devido à sua resiliência, nos últimos anos, incluindo a pandemia, o mercado farmacêutico tem crescido no Brasil com taxas em torno de 10%, um pouco acima ou abaixo. Eu espero que o próximo ano não seja diferente. Se analisarmos um pouco mais a situação macroeconômica, sou otimista quanto ao futuro do país. Se a reforma tributária for realmente implementada, trará muito mais apetite para investimentos. Já estamos observando este ano uma expectativa interessante de crescimento econômico do PIB. Então, associar um ecossistema macroeconômico com uma indústria resiliente e a Bayer bem posicionada, me faz sentir muito otimista. Nossa meta como Bayer Pharma nesta região é crescer dois dígitos. Este impulso é alimentado por tudo que comentei, assim como por lançamentos importantes, como na área cardiovascular e metabólica. Por exemplo, um medicamento que protege o rim do paciente diabético, que teve uma aceitação bastante positiva. Também inclui medicamentos para o tratamento do câncer, como um lançamento recente com um perfil muito positivo para o câncer de próstata, que é a segunda maior incidência de câncer nos homens. Na área ginecológica, os dispositivos intrauterinos de longa duração estão tendo uma dinâmica muito positiva. Esperamos continuar tendo discussões muito importantes com o SUS sobre um medicamento maravilhoso para a hemofilia, que a Bayer está introduzindo.
E são as pautas quentes da saúde na sua visão?
Adib Jacob – Primeiramente, observo a direção da ciência, a vanguarda do tratamento. Discutimos terapia celular e higiênica, algo que promete revolucionar os tratamentos. Esse método desafia o paradigma atual, não se trata apenas de tratamento crônico, mas sim da busca pela cura. É de suma importância acompanhar o progresso científico. Outro ponto é a sustentabilidade do sistema, que é crítica. Um orçamento deve permitir a melhoria da qualidade de vida do brasileiro, considerando as escolhas, além do investimento em saúde, seja por meio do percentual do PIB ou pela incorporação de inovações. Outro ponto relevante é como a tecnologia auxiliará a indústria da saúde, indo além da farmacêutica. Diagnósticos e tecnologia, incluindo a crescente prática de teleconsulta, são aspectos importantes. A comunicação, tanto entre paciente e médico quanto entre fornecedores de soluções de saúde e profissionais médicos, é fundamental. Aprimorar a tecnologia, seja em fármacos avançados, como a terapia gênica, ou em métodos de prevenção e diagnóstico é essencial. A crescente tendência de wearables, que proporciona métodos diagnósticos mais céleres, talvez permita que, no futuro, smartwatches possam fornecer avaliações médicas, como níveis de insulina e outras patologias. E não podemos deixar de andar lado a lado com a tecnologia. As próprias empresas de tecnologia estão se voltando cada vez mais para a área da saúde, uma parte crucial da economia.
Já são muitas pautas. Quais outras você enxerga?
Adib Jacob – Como as pessoas irão se educar e agregar informações de qualidade é um ponto de extrema importância. A educação é crucial para acompanhar esse processo, e a sociedade deve caminhar em sincronia com o avanço da indústria e da tecnologia. Além disso, a colaboração entre todos os atores do ecossistema de saúde é fundamental, pois nenhum ator atua isoladamente. Não é viável ter um hospital operando isoladamente, desconectado da indústria que fornece os produtos ou das empresas de diagnóstico, ou do pagador. A colaboração se torna cada vez mais essencial, pois nenhum ator consegue resolver todos os problemas sozinho. A indústria por si só tem limitações. Não basta apenas levar um produto ao mercado, é necessário que este tenha um preço acessível e que os médicos compreendam como utilizá-lo. Da mesma forma, o médico não pode prescrever uma terapia que o paciente não entenda como usar, e, se ninguém estiver disposto a pagar por ela, o processo se torna ineficaz. Os pagadores também não podem adotar uma postura arrogante ao se recusarem a pagar, pois o paciente buscará outra solução. Dessa forma, a colaboração, com foco no paciente, torna-se cada vez mais relevante. É preciso considerar a colaboração da indústria com startups, pois a grande indústria isolada também não conseguirá apresentar todas as soluções. Essa harmonia, esse orquestramento entre os diversos atores do ecossistema de saúde, se configura como uma quinta tendência crucial a ser considerada.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.