Por que em pleno 2024 nós ainda estamos preocupados com a dengue?

Por que em pleno 2024 nós ainda estamos preocupados com a dengue?

Eu seu novo artigo, a infectologista Rosana Richtmann faz um panorama geral da situação da dengue com perguntas e respostas esclarecedoras

By Published On: 30/01/2024
Perguntas sobre dengue - Rosana Richtmann

Foto: Adobe Stock Image

A dengue é uma arbovirose, o que significa do inglês ARthropod BOrne VIrus, uma doença infecciosa transmitida por mosquito, especialmente no Brasil, pela fêmea do Aedes aegypti.

Quantas vezes podemos ter dengue?

Por termos 4 vírus geneticamente diferentes (DEN1, DEN2, DEN3 e DEN4), podemos ter dengue quatro vezes na vida, visto que se alguém for infectado pelo vírus DEN1, esta pessoa estará para o resto da vida imune (protegido) contra o DEN1, mas não pelos demais tipos de vírus da dengue. Além disso, sabemos por um fenômeno imunológico que o segundo episódio de dengue costuma ser mais grave, com maior potencial de levar a hospitalização e morte.

Por que a fêmea do Aedes aegypti é considerada, por mim, uma “super fêmea”?

A fêmea do Aedes aegypti tem um tremendo instinto materno, pois ela sabe que nos seus poucos dias de vida (30 a 45 dias) ela terá que pôr cerca de 1.500 ovos – e consequentemente novos mosquitos. Cada fêmea infectada pelo vírus da dengue conseguirá infectar cerca de 300 pessoas – para colocar seus ovos, ela necessariamente precisa de sangue humano e quanto maior o calor e temperaturas, mais sangue ela precisa. Assim, ela passa sua vida atrás de sangue humano. O mosquito se adaptou ao ambiente urbano, adora elevadas temperaturas, umidade, chuvas, ou seja, exatamente o que o fenômeno El Niño está causando por aqui neste momento.

Quais os principais desafios para o controle do vetor da dengue?

  • Mudanças climáticas
  • Urbanização não programada
  • Fatores socioeconômicos
  • Mobilidade internacional

A OMS estima que mais da metade da população mundial está sob risco de se infectar pelo vírus da dengue, pois em toda região dos trópicos há a presença do vetor da doença. Além disso, hoje temos a presença do Aedes albopictus (outro importante vetor da dengue na Ásia) que se adapta melhor a baixas temperaturas e pode se disseminar também em continentes e regiões com clima temperado, como na Europa e Estados Unidos.

Quais os sintomas da dengue e o que fazer se alguém apresentar os sintomas?

A dengue clássica habitualmente apresenta os seguintes sintomas: febre elevada de início abrupto, dor de cabeça, dor atrás dos olhos, dor muscular generalizada, náuseas, vômitos, mal-estar geral. Depois de 2-3 dias, pode aparecer uma erupção na pele que habitualmente é acompanhada de coceira. Se nesta época do ano, alguém apresentar estes sintomas, necessariamente temos a obrigação de pensar no diagnóstico de dengue e iniciar uma hidratação efetiva! Esta é a melhor dica que posso dar para alguém infectado.

Diante dos sintomas, é sempre necessário ser avaliado por equipe de saúde para confirmação do diagnóstico e tomada de conduta médica. A única forma de minimizar mortes relacionadas a dengue é recebendo atendimento médico adequado desde o início dos sintomas.

Outra informação importante relacionada à evolução da doença é estar atento aos chamados “sinais de alarme da dengue”:

  • Dor abdominal
  • Vômitos persistentes
  • Acúmulo de líquido (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico)
  • Hipotensão e/ou lipotimia (tontura ao se levantar)
  • Sangramento de mucosa
  • Aumento do hematócrito (hemoconcentração)
  • Letargia e irritabilidade

Diante de qualquer um destes sinais de alarme, procure imediatamente um serviço de saúde, pois pode se tratar de agravamento da doença.

E a prevenção? Posso tomar a vacina?

Eu diria que a pergunta mais frequente neste momento de grande número de casos de dengue circulando no nosso país é sobre a possibilidade e disponibilidade de vacina contra dengue.

No final de 2023, a Anvisa licenciou uma nova vacina contra dengue, da Takeda, cujo nome comercial é Qdenga.

Trata-se de uma vacina contra os 4 tipos de dengue, em duas doses com intervalo de 3 meses entre as doses, de vírus vivo atenuado, que pode ser aplicada independentemente se a pessoa teve ou não dengue anterior, cuja idade de licenciamento no Brasil é dos 4 aos 60 anos de idade.

Vale ressaltar que esta vacina, antes de ser licenciada pela Anvisa, foi amplamente estudada, inclusive com estudos de fase III realizados no Brasil e com dados de segurança e resposta imune em indivíduos de 4 a 60 anos e dados de eficácia de 4 a 16 anos de idade. Nestes estudos, a eficácia vacinal foi de 80,2% para não ter dengue clínica (12 meses após a 2ª dose) e de 90,4% eficaz na prevenção de hospitalização.

Os melhores resultados foram obtidos para os tipos 1 e 2 da dengue e para indivíduos previamente expostos ao vírus, ou seja, soropositivos. Neste estudo, aconteceu uma limitação de resultado de eficácia vacinal em relação ao tipo 4 da dengue, visto que este tipo não circulou durante o estudo, o que não permitiu determinar qualquer resultado.

Em relação à segurança da vacina, no follow up de 4,5 anos de estudo, não se observou eventos adversos graves, sendo a taxa de notificações de eventos adversos graves de 2,9% nos vacinados e de 3,5% no grupo placebo.

Existem contraindicações para a vacina?

Sim! Por se tratar de vacina de vírus vivo atenuado, ela está contraindicada para pessoas com imunodeficiência primária ou adquiridas, gestantes e mulheres amamentando.

Qual é a atual disponibilidade da vacina na rede pública pelo Programa Nacional de Imunização (PNI)?

Todas as crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, que vivem nas 512 cidades estabelecidas pelo Ministério da Saúde, têm o direito gratuito de receber as duas doses da vacina Qdenga. Os demais grupos etários, desde que estejam dentro da faixa etária de licenciamento da vacina, poderão receber a vacina na rede privada.

Conclusão

Dengue é uma doença de difícil controle, devido a múltiplos fatores, como a maciça presença do vetor no nosso meio, fatores climáticos que favorecem a multiplicação e atividade do mosquito, ausência de tratamento específico (antiviral) e escassez de disponibilidade de vacinas.

Temos um longo caminho a percorrer, no sentido de combate à dengue e principalmente no combate ao vetor, que é capaz de transmitir não só a dengue, mas também Zika, Chikungunya, entre outros vírus.

Políticas públicas deverão incentivar o desenvolvimento de medidas de biotecnologia para controle do vetor, medidas educativas com a população, medidas de cuidados e atenção a saúde dos infectados e disponibilização de vacinação, assim que possível.

Rosana Richtmann

Infectologista do Instituto Emílio Ribas, Chefe do Departamento de Infectologia do Grupo Santa Joana e Membro dos Comitês de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunização e do Comitê Permanente em Assessoramento de Imunização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos e possui Doutorado em Medicina pela Universidade de Freiburg, na Alemanha

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Infectologista do Instituto Emílio Ribas, Chefe do Departamento de Infectologia do Grupo Santa Joana e Membro dos Comitês de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunização e do Comitê Permanente em Assessoramento de Imunização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos e possui Doutorado em Medicina pela Universidade de Freiburg, na Alemanha

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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  • Rebeca Kroll
    Rebeca Kroll

    Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Maria. Foi trainee do programa "Jornalismo na Prática" do Correio Braziliense, voltado para a cobertura de saúde. Premiada na categoria de reportagem em texto na 2ª edição do Prêmio de Comunicação de Saúde na Primeira Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

  • Rafael Machado

    Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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    Vivian Kiran Lee é diretora executiva de medical affairs da Takeda. Assumiu a posição no início de maio de 2022 e faz parte do Brazil Leadership Team da Takeda. Sua última experiência foi em Bogotá, na Colômbia, onde atuou como Diretora Médica dos países Andinos e Centro América, para São Paulo. Vivian traz sólida expertise na prática clínica, em assuntos médicos, Marketing, Pesquisa e Desenvolvimento, Programa de Suporte ao Paciente, Informações Médicas e Code Compliance. Com mais de 25 anos de experiência na indústria farmacêutica, ela passou por empresas como MSD, Novartis, Schering-Plough e Bayer com atuação em diversas áreas terapêuticas como Cardiologia, Pneumologia, Oncologia, Reumatologia, Hematologia, Vacinas, Oftalmologia, Saúde Feminina e Diabetes. Antes de ingressar no mercado farmacêutico, Vivian atuou por sete anos como pediatra e pneumologista pediátrica no Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). A executiva é formada em Medicina pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestre em Pediatria e Pneumologia Pediátrica pela FMUSP, especialista em Acupuntura Médica pela CEIMEC- Associação Médica Brasileira. Vivian iniciou sua carreira na indústria em Serviços Médicos e posteriormente como Gerente de Produto.

Rosana Richtmann

Infectologista do Instituto Emílio Ribas, Chefe do Departamento de Infectologia do Grupo Santa Joana e Membro dos Comitês de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunização e do Comitê Permanente em Assessoramento de Imunização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos e possui Doutorado em Medicina pela Universidade de Freiburg, na Alemanha